segunda-feira, 20 de junho de 2011

Faculdade

análise do livro e do personagem.







Denise Tamer
Noturno do Chile
Roberto Bolaño

                                      O Jovem envelhecido

         Sebastian Urrutia Lacroix. Nome do personagem central e narrador do livro Noturno do Chile. Ele é um padre chileno que no final da vida encosta a cabeça nas mãos e divaga sobre a vida, Deus e a culpa.
         Aos treze anos de idade Lacroix sentiu o chamado do Cara lá de cima e aos quatorze entrou para o seminário. Esse chamado pode ter sido uma confusão dele, pois talvez por não sentir atração pelas meninas da sua época sentiu assim, atração por Deus. Mas essa é uma idéia minha. Lacroix em nenhum momento do livro esclarece isso. Embora ele faça muitas referências aos homens, como as vestimentas masculinas e o modo de agir do sexo masculino. O padre no fim da vida aceita que a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem a verdade final.
         Lacroix conta sua paixão pela literatura e como muitos no início de carreira, utiliza um pseudônimo para escrever poemas e críticas literárias. Nomeou-se Ibacache. Com o tempo seu pseudônimo vira mais famoso que seu nome de batismo. Fato que de maneira nenhuma o incomodava.  Seu batismo no mundo das letras aconteceu em um final de semana, onde estava hospedado na fazenda de um dos maiores críticos literários do Chile. Este respeitável dono de latifúndio era Farewell, que com o tempo tornou-se amigo íntimo do padre.
         Farewell é daquele tipo de personagem que chama atenção até do leitor mais distraído. Gordo, robusto, usa vestimentas polidas, é inteligente e sempre tem histórias interessantes ou uma atitude surpreendente.
         E nesse batismo constava, entre outros escritores chilenos, ninguém mais ninguém menos que Pablo Neruda. O que deixou Lacroix feliz pelo prestígio. Era um padre, mas entendia bem dos privilégios da vida. Durante a estadia no latifúndio Farewell fala: dance padre! E ouve como resposta: não posso, meus votos não permitem. Os votos de Lacroix não permitiam muitas coisas que não foram escritas e que talvez aconteceram na vida dele. Afinal, a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem a verdade final.
         Quando sua vida estava numa passagem tranqüila, sem muitos objetivos, surgem dois homens que Lacroix no inicio desconfia, mas acaba simpatizando. Estes homens o convidam para fazer uma viagem à Europa. Onde seu trabalho era catalogar técnicas de conservação e de manter livre das velhas igrejas as cagadas de pombas. Ele aceita e parte ao velho continente feliz com a labuta e as experiências que estão por vir.
         Na viagem, Lacroix visita igrejas, convive com padres e descobre a prática dos falcões ‘domesticados’. A lógica é bem simples. Cada padre possui um falcão, como um animal de estimação, trata bem e alimenta. O animal como forma de agradecimento, caça as pombas que teimam em cagar nas igrejas européias.
         Lacroix tem um bom coração, mas não se espanta com o que descobre. Respeita a lei do mais forte, mais ainda no mundo animal. Ele é um homem desconfiado e sempre tenta não julgar as pessoas e as situações. Como um bom padre deveria ser, tenta sempre ser neutro com o que escuta e com as situações que vive. O que de fato, nem sempre consegue. Afinal, a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem a verdade final.
        
         De volta ao Chile, Lacroix escreve poemas e certa noite toma um trago homérico com Farewell em um bar do centro da cidade de Santiago que serve especiarias e bebidas. O ambiente é uma penumbra e os dois bêbados discutem sobre a passagem avassaladora do tempo e torcem para que Neruda, já intimo deles, ganhe o prêmio Nobel de Literatura.  Por fim,  Farewell fica no bar e Lacroix volta para casa caminhando e cambaleando nos seus pensamentos. O padre também bebe, e não é só vinho na hora da igreja. O padre leva uma verdadeira vida de artista e preza pela efervescência intelectual. Participa de rituais artísticos e encontros etílicos em plena ditadura militar.
         Nesta mesma fase, Lacroix é convidado a dar aulas de Marxismo aos principais generais da ditadura chilena. Teve como aluno o famoso General Pinochet e notava suas vestimentas limpas e bem passadas. Suas aulas eram simples e os generais pareciam fazer um rodízio com as faltas. O ensinamento ia além da dialética, Lacroix respondia aos generais curiosos o que achava que os revolucionários liam. Quando terminou o período de aulas, o padre questionou-se se fez mal ou se fez bem? Qual seria o impacto de ensinar a luta de classes aos generais? Por fim, acaba com um turvo entendimento da situação e prefere esquecer. Afinal, a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem a verdade final.
         Sebastian Urrutia Lacroix entende que a rotina matiza o horror, que todos temos defeitos mas que é preciso enxergar a virtude e que somos todos cheios de contradições humanas. Um padreco que demora a ser aceito e a se aceitar. Todos somos jovens envelhecidos compreendende Lacroix na cama e no fim da vida. E aí por fim, compreende não só isso, mas a vida e todos os acontecimentos no Chile. Lembra-se de Farewell, Neruda, suas amigas, os padres europeus... Os rostos mais marcantes passam pelo seu pensamento. E assim Lacroix despede-se da vida e de seu leitor.
         Afinal, a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem a verdade final.

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